39 - EPÍLOGO:
A verdade, a
verdade é que sempre haverá a necessidade de algo a mais. A vida não se
contenta com o pouco que é oferecido. Números e palavras não são suficiente
para saciar a sede de sentir, hão de existir a beleza estética na simetria dos
desenhos fantásticos de conchas do mar e a singular relevância dos vocabulários
mais hábeis e fecundos. Não satisfaz um conhecimento inócuo de valores
verdadeiros, não traz alegria ao espírito uma vida sem vontade, uma música sem
sentir. Pois esta é justamente a função do todo, a função do mundo é de um
subsídio para que o espírito se movimente, assim como a função das equações
matemáticas é fazer com que o homem se extasie diante de uma resultante de
simetria inigualável numa concha, a função é movimentar o espírito e nada mais.
Não obstante, no decorrer do caminho tropeçamos, julgando que a função da
matéria está localizada nela e não em nós mesmos, é como dar mais valor à
ferramenta que ao objeto para qual foi ela construída. Exemplos? Como poderia
eu dar mais valor à uma música que aos sentimentos e à sensibilização que ela
provoca? Independente da música, podemos aqui estar falando de uma música
simples composta por músico não famoso ou por min mesmo ou tú, ou então uma
música de composição complexa e extraordinária como “Missa Solenis” de
Bethoven, pois o que mais vale não é o instrumento, mas sim o nível de
sensibilização que se consegue atingir. Metáfora: Pode-se construir um casarão
belíssimo, amplo e magnânimo com ferramentas pequenas e pode-se construir um simples
barraco dispondo de tratores e máquinas grandes, pois o que mais conta na
construção do universo é a vontade e não os recursos de que se dispõem. Estamos
falando sobre os valores fundamentais da vida, aqueles que descrevem a vida e
não a vida aparente. No caso da música podemos dizer que a música em si é vista
como vida aparente, a vida verdadeira é a sensibilidade que a musica provocou,
cada ser humano desenvolve em si uma capacidade de inflamar o espírito diante
das coisas da vida.
Esta
“inflamação” se refere ao modo como aquilo foi interpretado e o quanto aquilo
modificou a realidade interna da pessoa, o quanto aquilo atingiu, interferiu,
movimentou, mudou concepções antigas, fêz nascer novos estados de percepção da
vida. O entendimento pleno do termo “inflamação”, segundo a concepção que estou
propondo, é grande importância para o entendimento da função primordial da
vida, e da visão mais ampla do que é “vida verdadeira” distinguindo-a de “vida
aparente”.
O fato é que
as coisas por si só não existem, são subsídios para que exista vida, na
concepção de vida verdadeira. É justamente por isto, que na visão espiritual
“reencarcionista” existe uma necessidade de vida na carne para que haja o
desenvolvimento do ser, do contrário o mundo só seria instituído de vida
espiritual, descartando a dualidade matéria e espírito. O que faz com que
aumentemos nossa “capacidade de inflamação” perante o mundo é a quantidade de
importância que doamos ao que está sendo contemplado. Uma pessoa que têm uma
grande capacidade de imersão em detalhes, que entende de maneira bastante
criativa, original e espontânea mensagens subjetivas é aquela que mais se
“inflama” com o mundo.
Inflamação é a
função da vida, quando este processo ocorre é quando surge a vida verdadeira,
tanto mais elevado será o grau de inflamação ( intensidade de vida ) quanto
seja a entrega daquele que interpreta a vida para com o objeto que observa, que
interpreta. Como ocorre esta entrega? Utilizamo-nos para isto de alguns
recursos, a começar pelas ferramentas de interpretação do mundo: visão,
audição, tato, paladar e olfato. Deste modo você irá perceber determinado
objeto voltando-se para ele e entrando
em contato através destes mecanismos. Há muitas ressalvas que devo aqui expor,
do contrário, se isto fosse tudo não haveria qualquer necessidade de começar
estes escritos. De inicio: O mundo é aparente, a única coisa que não é ilusória
é a percepção que consegue inflamar, aquela que muda a tua disposição de
espírito, somente isto pode chegar a receber o nome de VIDA.
Como o ser
humano percebe o mundo que o cerca? Como interpreta esta percepção? Uma música,
por exemplo, é percebida por duas pessoas de uma única maneira, mas no processo
de interpretação é entendida conforme os valores pessoais de cada uma destas
pessoas. Logo, para que haja inflamação não basta a existência de órgãos
sensoriais, mas a existência de determinados valores, são estes que doarão à
pessoa a concepção de vida à qual ela se
julga pertencente. Uma situação aparentemente simples pode fazer alguém chorar
e se extasiar, numa extrapolação emocional de grande beleza, intensidade e
ternura enquanto as maiores tramas teatrais, os romances mais trabalhosamente
elaborados podem ter a função de meros passa tempos ou divertimentos
supérfluos. Por quê isto ocorre? Não é isto injusto com o autor? O autor ( Nós
somos todos autores nos momentos em que queremos transmitir uma idéia,
sentimento ou mensagem à outrem ) têm uma gama de sentimentos, idéias e
vivências que deseja consciente ou inconscientemente colocar em sua obra, aliás
ele sempre consegue colocar na obra sua própria essência, seu próprio caráter,
queira ou não. O fato que estamos discutindo é como se passa a assimilação da
obra, seja esta um romance, uma música, pintura, escultura, palestra, ou
pessoa. Justo porque a interpretação da arte é um exemplo dado que pode ser
aplicado à interpretação da vida, consigo de todas as suas possíveis situações,
porque na vida estamos fazendo uma constante interpretação daquilo que vemos ou
vivenciamos.
Fora comentado
algo relativo à capacidade de percepção de detalhes, e à subjetividade. O que
são aspectos importantes na interpretação da arte, e da vida. Na verdade quando
temos uma idéia inicial ou um sentimento posteriormente queremos expressar
isto, mas nunca podemos expressar em sua forma metafísica ou pura, por causa
disso temos de ter algum meio de expressão, este meio é oferecido pelas
possibilidades da vida. As expressões faciais por exemplo não são o sentimento
propriamente dito, mas sim um meio de expressão dos sentimentos. As expressões
corporais se localizam no mesmo termo, assim como todos os sinais que
inconscientemente exprimimos. As idéias que temos também são expressões de uma
essência anterior.
Devemos
esquecer o mundo aparente e dar mais valor aos detalhes que às aparências, a
beleza por exemplo pode ser uma concepção estática aparente, de modo que
durante a vida fomos educados e condicionados a julgar que determinados
parâmetros estéticos são mais agradáveis que outros. Quê pensar disto?
Simplesmente que não existe uma concepção de belo absolutamente definida, que
os valores são concepções criadas pela sociedade. A não ser que haja dentro de
cada ser humano uma percepção únicas, valores estéticos universais que
independam do condicionamento produzido pelas tendências culturais de sua
comunidade e de seu tempo. Mesmo existindo esta essência estética única dentro
do ser humano isto não descarta a hipótese de que a sociedade estará influenciando
suas concepções de belo e feio, a pergunta mais pertinente a fazer agora é: Até
que ponto isto ocorre? Qual a proporção de influência que os valores culturais
da sociedade e do tempo exerce sobre a “essência universal” do ser humano? Isto
dependerá de cada pessoa, para explicar esta parte do pensamento criaremos aqui
dois conceitos “Cultura externa” e “Cultura pessoal”, o ser se posiciona no mundo entre estas duas
vertentes, em proporções das mais diversas, no aspecto cultural infelizmente a
sociedade consumista se preocupa mais com consumir que com produzir de modo que
em tempos anteriores da humanidade a cultura era muito mais rica que
atualmente. O ser humano têm duas possibilidades na vida:
1a) Expressar-se.
2a) Assimilar as expressões do mundo.
Assim a
cultura externa se refere à tudo que pode ser assimilado e a cultura pessoal à
tudo o que é produzido pelo sujeito. Em minhas buscas tenho me preocupado muito
por encontrar a metafísica das coisas, logo, no intuito de imaginar como e o
quê faz com que haja no mundo um criação cultural. Há um princípio que se chama
“vontade” que indica respectivamente o princípio primordial da vida, pois
ocorre antes da vida. O princípio que pode ser chamado de vida, em nossas
concepções é “inflamação”. De princípio é importante dizer que a vida se
transcorre em comunidade, com miríades de pessoas interagindo, logo devemos
colocar em pauta a existência basicamente de agente que exterioriza e agente
receptor. Fundamentamo-nos nestas idéias para criar a teoria de transmissão da
vida.
AGENTE QUE EXTERIORIZA:
Vontade primordial – Vivência ( “inflamação” ) –
Expressividade
AGENTE RECEPTOR:
Percepção sensória – Valores pessoais – Interpretação (
Assimilação e possível inflamação )
Com esta
sinopse sucinta fica mais fácil entender a idéia, para ilustrar vamos inventar
um caso fictício de um músico: antes que seja criada a música há uma vontade
antecedente, mesmo que inconsciente de criar a música, esta é a vontade
primordial, que vêm à tona antes que o processo de criação se inicie, o
processo de criação musical é entendido como a vivência o que corresponde
justamente à “vida verdadeira” que havíamos anteriormente discorrido”, pois a
criação artística verdadeira deve envolver sentimentos, idéias e concepções
diferentes do que antes se tinha, pois causa movimento ao espírito, algo
diferente do que havia antes está em vigência, é por isto que na vida verdadeira existe a “inflamação” .
Durante a vivência musical o músico estará se inflamando com o que está sendo
criado, ou seja: está tomado por novas sensações, novos estados de percepção
interna, pode ocorrer o caso da composição não inflamar o espírito do criador,
isto no caso de uma composição absolutamente “matemática”, metódica e racional,
neste caso pode nem haver uma vontade primordial, quantas vezes não ouvimos: -
Aquele sujeito faz as coisas sem vontade. – Após vivenciar e se inflamar a
música o sujeito irá exteriorizá-la através de sua execução, durante a execução
há uma re-vivência da composição que envolveu determinados estados do ser. É
por isto que cada música, que cada peça de teatro, cada dança transmitem
“estados de espírito” ou “estados do ser” peculiares. Pode ocorrer do agente
que exterioriza exprimir-se de maneira não adequada ao momento da vivência
musical, o que é o mesmo que dizer que uma música foi interpretada sem que o
intérprete soubesse exprimir-se segundo o estado de espírito que o compositor
estava no momento da composição que era o momento da “vida real”.
Na transmissão
da vivência, além da possibilidade de incongruência durante a re-vivência há
detalhes relacionados ao agente receptor. É por isto que a percepção pode estar
distorcida com relação à vivência original, não impede porém que mesmo que
sendo distorcida não indique uma possibilidade de vivência alternativa do mesmo
objeto. Teremos de princípio a percepção sensória, que pode ser diferente para
cada pessoa, uns são míopes ou relativamente surdas, podem ser hipersensíveis
ao frio ou ter visão super aguçada, temos então uma variedade de ferramentas
perceptivas totalmente personificada ainda que sejam basicamente as mesmas. Quê
causa isto? Uma percepção sensória tão personificada quanto as ferramentas
responsáveis por ela. Isto, meus amigos, foi só o princípio, pois em seguida há
o fato de que os valores pessoais de cada pessoa são também personificados,
neste aspecto, no entanto, é válido dizer que os valores de pessoas de uma
mesmo sociedade são mais similares que de sociedades diferentes, que os valores
de pessoas de um mesmo país têm maiores possibilidades de serem parecidos que
de paises distantes, ainda que isto não tenha de ser considerado como regra
irrefutável. Quais são estes valores pessoais? Religiosos, filosóficos, morais,
estéticos, de conduta, trabalhistas, unindo todos num conjunto são os valores
que definem a conduta de vida do sujeito e que estão relacionados com tudo
aquilo que percebe, assim as percepções sensoriais da música são submetidas à
estes valores de tal forma que são inseridos na música a saber que ela
transmite, mas não é na verdade a música que está exatamente transmitindo
aquilo, mas sim o sujeito que está incutindo nela aquilo que sempre esteve
nele, a sensação de que algo é trazido pela música pode ser, deste modo, entendida
como ilusória, o que ocorre é o entendimento da música. É por isto que o
entendimento pleno depende dos valores pessoais.
Após os
valores terem sido relacionados com a morfologia, com a formação estética do
que está sendo percebido ocorre uma interpretação ou assimilação, que é um
momento em que pode haver a “inflamação” ou o movimento das constantes daquela
pessoa, onde seus valores poderão ser postos em seus limites ou mesmo
alterados. Caso sejam alterados, isto
indica que há a transmissão real de alguma coisa durante o processo de exteriorização
artística. Ou seja: Valores do que exterioriza são realmente enviados, se são
entendidos, ou mesmo tendo sido entendidos, se são assimilados esta é questão à
parte.
Podemos
colocar outro exemplo em vigência, um corredor que ao chegar ao final de uma
prova, adota determinadas expressões faciais, isto é a vivência que ocorre,
tendo partido de uma vontade inicial de efetivar a prova, sendo uma expressão
que transcorre simultânea à vivência pode-se dizer que vivencia e exprime num
só momento. O sujeito que assiste interpreta não a vivência diretamente mas a
expressão do corredor. Fazemos isto quando conversamos com alguém e quando
assistimos às mais variadas situações humanas.
Não basta ser
arguto, perspicaz ou habilidoso para entender a arte ( a mundo ao derredor ) as
características do “sensitivo” são outras. Na tentativa de perceber o mundo
assim como ele realmente é devemos saber quais são estas características, que
aliás, já foram citadas: capacidade de percepção subjetiva, capacidade de
imersão nos detalhes, sabemos também que se referem aos valores pessoais,
digamos que quanto mais desenvolvidos sejam estes valores mais precisa será a
percepção, já que esta depende dos valores.
Me fundamento
numa percepção de vida, portanto integral e holística, passando longe da
especialização. Um músico não têm, por exemplo, a percepção musical mais
apurada que um psicólogo ou um caboclo que tenha larga experiência de vida,
pois os valores pessoais são um tanto mais profundo que estudos técnicos ou
teóricos da música. Isto ocorre porque a música não é um agregado organizado ou
desorganizado de sons, mas sim um meio, através do qual a vida se exprime. O
que está sendo expresso chama-se vida, e para que haja uma percepção mais
correta e fidedigna da vida devemos estar cheios de valores de vida, por isto o
desenvolvimento da percepção espiritual depende da filosofia de vida, para que
sobrevenha a percepção mediúnica ( conforme discorrido no livro “valores da
contemplação “ ). Exemplo: Uma pessoa lê um romance escrito na época da
revolução industrial sem qualquer outra fonte de conhecimento desta época, lê
somente pelo prazer da leitura, por certo poderá se deleitar com a leitura e
adorar o livro. Digamos que esta pessoa tenha após um ano estudado durante três
meses as idéias e a história referente à este período da Revolução Industrial,
logo ela percebe o quão ingênua havia sido sua leitura, e o quão distorcido
havia sido seu entendimento da obra, o que era vermelho ela interpretou como
branco, e o que era azul como lilás. O quê podemos extrair deste exemplo? A
conclusão definitiva de que a percepção dos objetos externos depende dos
valores internos, neste caso me referí restritamente ao valor “conhecimento”,
mas poderíamos colocar outros valores como “sentimentos”, “moral” ou
“espiritualidade”. É mais provável que esta pessoa entenda os sentimentos e o
que quis o autor do romance transmitir após seus três meses de estudos sobre a
época que antes, ainda que ela possa ter tido “inflamação do espírito” na
primeira leitura e sendo esta “inflamação” um tanto distorcidas com relação às
intenções, sentimentos e vivências do autor, isto não indica necessariamente
que esta interpretação tenha sido em vão ou inócua. Mesmo que não percebamos a
essência das coisas, o fato é que o que percebemos é também chamado de “vida”,
uma percepção distante do estado de espírito do transmissor não deixa de ser a
percepção de algo, e digo mais, seria ao mesmo tempo uma criação alternativa de
vida. Por isto a vida possui muitas facetas, a maneira mais simples e óbvia de
indicar isto é colocar uma pessoa em cada canto de uma sala aberta no teto ao
céu numa noite sem nuvens e pedir para observarem um telescópio, cada uma das pessoas terá uma
visão distinta daquele mesmo objetos, e supondo que antes nunca tenham se
deparado com um telescópio umas dirão que estão vendo uma estrutura complexa e
podem até descrever mecanismos cilíndricos, esféricos ou engrenagens metálicas,
outras dirão que estão vendo planetas, estrelas ou até nuvens cósmicas de cores
diversas. Em quem vamos acreditar? O fato é que mesmo a percepção de cada qual
sendo distinta todas são corretas, isto indica que mesmo coisas diferentes e
por vezes antagônicas podem ser corretas, é justo aí que queria chegar, porque
a percepção alternativa não é completamente inócua, em si possui um valor, e
pode fazer a pessoa “inflamar-se” por isto possui sua validade. Isto dá a
importância àquele que percebe o mundo como ele realmente é e àquele que
interpreta o mundo numa visão distorcida.
O importante é
inflamar-se permeado pelos “valores humanos universais” que estão de certo modo
incutidos em cada ser humano em maior ou menor proporção independente da
cultura externa. A cultura pessoal, retomando este assunto, é referente à
aspectos únicos de cada pessoa referem-se às possibilidades de criação, por
isto intuição e criatividade são termos chave neste assunto. A criação de uma
cultura pessoal depende de ferramentas adquiridas no meio externo, como por
exemplo noções de técnicas de desenho, técnicas de interpretação corporal e
facial para o teatro e a dança, noções de teoria musical e poética ou
literatura para o ato da escrita, assim na exteriorização de uma cultura
pessoal existem subsídios externos, que são prestativos na forma de ferramentas,
mas não só de ferramentas como também de material útil para remodelação e
reconstrução da realidade, como no caso de treinar a vista com muitas obras de
pintura para possuir uma conjuntura de possibilidades. Até que ponto uma mente
livre e limpa de tudo é capaz de criar? Existe esta possibilidade? Seria uma
criação todavia mais personalizada?
O fim é o início