Tuesday, November 5, 2024

39 - Epílogo

 

39 - EPÍLOGO:

       A verdade, a verdade é que sempre haverá a necessidade de algo a mais. A vida não se contenta com o pouco que é oferecido. Números e palavras não são suficiente para saciar a sede de sentir, hão de existir a beleza estética na simetria dos desenhos fantásticos de conchas do mar e a singular relevância dos vocabulários mais hábeis e fecundos. Não satisfaz um conhecimento inócuo de valores verdadeiros, não traz alegria ao espírito uma vida sem vontade, uma música sem sentir. Pois esta é justamente a função do todo, a função do mundo é de um subsídio para que o espírito se movimente, assim como a função das equações matemáticas é fazer com que o homem se extasie diante de uma resultante de simetria inigualável numa concha, a função é movimentar o espírito e nada mais. Não obstante, no decorrer do caminho tropeçamos, julgando que a função da matéria está localizada nela e não em nós mesmos, é como dar mais valor à ferramenta que ao objeto para qual foi ela construída. Exemplos? Como poderia eu dar mais valor à uma música que aos sentimentos e à sensibilização que ela provoca? Independente da música, podemos aqui estar falando de uma música simples composta por músico não famoso ou por min mesmo ou tú, ou então uma música de composição complexa e extraordinária como “Missa Solenis” de Bethoven, pois o que mais vale não é o instrumento, mas sim o nível de sensibilização que se consegue atingir. Metáfora: Pode-se construir um casarão belíssimo, amplo e magnânimo com ferramentas pequenas e pode-se construir um simples barraco dispondo de tratores e máquinas grandes, pois o que mais conta na construção do universo é a vontade e não os recursos de que se dispõem. Estamos falando sobre os valores fundamentais da vida, aqueles que descrevem a vida e não a vida aparente. No caso da música podemos dizer que a música em si é vista como vida aparente, a vida verdadeira é a sensibilidade que a musica provocou, cada ser humano desenvolve em si uma capacidade de inflamar o espírito diante das coisas da vida.

      Esta “inflamação” se refere ao modo como aquilo foi interpretado e o quanto aquilo modificou a realidade interna da pessoa, o quanto aquilo atingiu, interferiu, movimentou, mudou concepções antigas, fêz nascer novos estados de percepção da vida. O entendimento pleno do termo “inflamação”, segundo a concepção que estou propondo, é grande importância para o entendimento da função primordial da vida, e da visão mais ampla do que é “vida verdadeira” distinguindo-a de “vida aparente”.

      O fato é que as coisas por si só não existem, são subsídios para que exista vida, na concepção de vida verdadeira. É justamente por isto, que na visão espiritual “reencarcionista” existe uma necessidade de vida na carne para que haja o desenvolvimento do ser, do contrário o mundo só seria instituído de vida espiritual, descartando a dualidade matéria e espírito. O que faz com que aumentemos nossa “capacidade de inflamação” perante o mundo é a quantidade de importância que doamos ao que está sendo contemplado. Uma pessoa que têm uma grande capacidade de imersão em detalhes, que entende de maneira bastante criativa, original e espontânea mensagens subjetivas é aquela que mais se “inflama” com o mundo.

      Inflamação é a função da vida, quando este processo ocorre é quando surge a vida verdadeira, tanto mais elevado será o grau de inflamação ( intensidade de vida ) quanto seja a entrega daquele que interpreta a vida para com o objeto que observa, que interpreta. Como ocorre esta entrega? Utilizamo-nos para isto de alguns recursos, a começar pelas ferramentas de interpretação do mundo: visão, audição, tato, paladar e olfato. Deste modo você irá perceber determinado objeto  voltando-se para ele e entrando em contato através destes mecanismos. Há muitas ressalvas que devo aqui expor, do contrário, se isto fosse tudo não haveria qualquer necessidade de começar estes escritos. De inicio: O mundo é aparente, a única coisa que não é ilusória é a percepção que consegue inflamar, aquela que muda a tua disposição de espírito, somente isto pode chegar a receber o nome de VIDA.

      Como o ser humano percebe o mundo que o cerca? Como interpreta esta percepção? Uma música, por exemplo, é percebida por duas pessoas de uma única maneira, mas no processo de interpretação é entendida conforme os valores pessoais de cada uma destas pessoas. Logo, para que haja inflamação não basta a existência de órgãos sensoriais, mas a existência de determinados valores, são estes que doarão à pessoa a concepção de vida à qual  ela se julga pertencente. Uma situação aparentemente simples pode fazer alguém chorar e se extasiar, numa extrapolação emocional de grande beleza, intensidade e ternura enquanto as maiores tramas teatrais, os romances mais trabalhosamente elaborados podem ter a função de meros passa tempos ou divertimentos supérfluos. Por quê isto ocorre? Não é isto injusto com o autor? O autor ( Nós somos todos autores nos momentos em que queremos transmitir uma idéia, sentimento ou mensagem à outrem ) têm uma gama de sentimentos, idéias e vivências que deseja consciente ou inconscientemente colocar em sua obra, aliás ele sempre consegue colocar na obra sua própria essência, seu próprio caráter, queira ou não. O fato que estamos discutindo é como se passa a assimilação da obra, seja esta um romance, uma música, pintura, escultura, palestra, ou pessoa. Justo porque a interpretação da arte é um exemplo dado que pode ser aplicado à interpretação da vida, consigo de todas as suas possíveis situações, porque na vida estamos fazendo uma constante interpretação daquilo que vemos ou vivenciamos.

      Fora comentado algo relativo à capacidade de percepção de detalhes, e à subjetividade. O que são aspectos importantes na interpretação da arte, e da vida. Na verdade quando temos uma idéia inicial ou um sentimento posteriormente queremos expressar isto, mas nunca podemos expressar em sua forma metafísica ou pura, por causa disso temos de ter algum meio de expressão, este meio é oferecido pelas possibilidades da vida. As expressões faciais por exemplo não são o sentimento propriamente dito, mas sim um meio de expressão dos sentimentos. As expressões corporais se localizam no mesmo termo, assim como todos os sinais que inconscientemente exprimimos. As idéias que temos também são expressões de uma essência anterior.

      Devemos esquecer o mundo aparente e dar mais valor aos detalhes que às aparências, a beleza por exemplo pode ser uma concepção estática aparente, de modo que durante a vida fomos educados e condicionados a julgar que determinados parâmetros estéticos são mais agradáveis que outros. Quê pensar disto? Simplesmente que não existe uma concepção de belo absolutamente definida, que os valores são concepções criadas pela sociedade. A não ser que haja dentro de cada ser humano uma percepção únicas, valores estéticos universais que independam do condicionamento produzido pelas tendências culturais de sua comunidade e de seu tempo. Mesmo existindo esta essência estética única dentro do ser humano isto não descarta a hipótese de que a sociedade estará influenciando suas concepções de belo e feio, a pergunta mais pertinente a fazer agora é: Até que ponto isto ocorre? Qual a proporção de influência que os valores culturais da sociedade e do tempo exerce sobre a “essência universal” do ser humano? Isto dependerá de cada pessoa, para explicar esta parte do pensamento criaremos aqui dois conceitos “Cultura externa” e “Cultura pessoal”,  o ser se posiciona no mundo entre estas duas vertentes, em proporções das mais diversas, no aspecto cultural infelizmente a sociedade consumista se preocupa mais com consumir que com produzir de modo que em tempos anteriores da humanidade a cultura era muito mais rica que atualmente. O ser humano têm duas possibilidades na vida:

1a) Expressar-se.

2a) Assimilar as expressões do mundo.

      Assim a cultura externa se refere à tudo que pode ser assimilado e a cultura pessoal à tudo o que é produzido pelo sujeito. Em minhas buscas tenho me preocupado muito por encontrar a metafísica das coisas, logo, no intuito de imaginar como e o quê faz com que haja no mundo um criação cultural. Há um princípio que se chama “vontade” que indica respectivamente o princípio primordial da vida, pois ocorre antes da vida. O princípio que pode ser chamado de vida, em nossas concepções é “inflamação”. De princípio é importante dizer que a vida se transcorre em comunidade, com miríades de pessoas interagindo, logo devemos colocar em pauta a existência basicamente de agente que exterioriza e agente receptor. Fundamentamo-nos nestas idéias para criar a teoria de transmissão da vida.

AGENTE QUE EXTERIORIZA:

Vontade primordial – Vivência ( “inflamação” ) – Expressividade

AGENTE RECEPTOR:

Percepção sensória – Valores pessoais – Interpretação ( Assimilação  e possível inflamação )

      Com esta sinopse sucinta fica mais fácil entender a idéia, para ilustrar vamos inventar um caso fictício de um músico: antes que seja criada a música há uma vontade antecedente, mesmo que inconsciente de criar a música, esta é a vontade primordial, que vêm à tona antes que o processo de criação se inicie, o processo de criação musical é entendido como a vivência o que corresponde justamente à “vida verdadeira” que havíamos anteriormente discorrido”, pois a criação artística verdadeira deve envolver sentimentos, idéias e concepções diferentes do que antes se tinha, pois causa movimento ao espírito, algo diferente do que havia antes está em vigência, é por isto que na  vida verdadeira existe a “inflamação” . Durante a vivência musical o músico estará se inflamando com o que está sendo criado, ou seja: está tomado por novas sensações, novos estados de percepção interna, pode ocorrer o caso da composição não inflamar o espírito do criador, isto no caso de uma composição absolutamente “matemática”, metódica e racional, neste caso pode nem haver uma vontade primordial, quantas vezes não ouvimos: - Aquele sujeito faz as coisas sem vontade. – Após vivenciar e se inflamar a música o sujeito irá exteriorizá-la através de sua execução, durante a execução há uma re-vivência da composição que envolveu determinados estados do ser. É por isto que cada música, que cada peça de teatro, cada dança transmitem “estados de espírito” ou “estados do ser” peculiares. Pode ocorrer do agente que exterioriza exprimir-se de maneira não adequada ao momento da vivência musical, o que é o mesmo que dizer que uma música foi interpretada sem que o intérprete soubesse exprimir-se segundo o estado de espírito que o compositor estava no momento da composição que era o momento da “vida real”.

    Na transmissão da vivência, além da possibilidade de incongruência durante a re-vivência há detalhes relacionados ao agente receptor. É por isto que a percepção pode estar distorcida com relação à vivência original, não impede porém que mesmo que sendo distorcida não indique uma possibilidade de vivência alternativa do mesmo objeto. Teremos de princípio a percepção sensória, que pode ser diferente para cada pessoa, uns são míopes ou relativamente surdas, podem ser hipersensíveis ao frio ou ter visão super aguçada, temos então uma variedade de ferramentas perceptivas totalmente personificada ainda que sejam basicamente as mesmas. Quê causa isto? Uma percepção sensória tão personificada quanto as ferramentas responsáveis por ela. Isto, meus amigos, foi só o princípio, pois em seguida há o fato de que os valores pessoais de cada pessoa são também personificados, neste aspecto, no entanto, é válido dizer que os valores de pessoas de uma mesmo sociedade são mais similares que de sociedades diferentes, que os valores de pessoas de um mesmo país têm maiores possibilidades de serem parecidos que de paises distantes, ainda que isto não tenha de ser considerado como regra irrefutável. Quais são estes valores pessoais? Religiosos, filosóficos, morais, estéticos, de conduta, trabalhistas, unindo todos num conjunto são os valores que definem a conduta de vida do sujeito e que estão relacionados com tudo aquilo que percebe, assim as percepções sensoriais da música são submetidas à estes valores de tal forma que são inseridos na música a saber que ela transmite, mas não é na verdade a música que está exatamente transmitindo aquilo, mas sim o sujeito que está incutindo nela aquilo que sempre esteve nele, a sensação de que algo é trazido pela música pode ser, deste modo, entendida como ilusória, o que ocorre é o entendimento da música. É por isto que o entendimento pleno depende dos valores pessoais.

      Após os valores terem sido relacionados com a morfologia, com a formação estética do que está sendo percebido ocorre uma interpretação ou assimilação, que é um momento em que pode haver a “inflamação” ou o movimento das constantes daquela pessoa, onde seus valores poderão ser postos em seus limites ou mesmo alterados.  Caso sejam alterados, isto indica que há a transmissão real de alguma coisa durante o processo de exteriorização artística. Ou seja: Valores do que exterioriza são realmente enviados, se são entendidos, ou mesmo tendo sido entendidos, se são assimilados esta é questão à parte.

      Podemos colocar outro exemplo em vigência, um corredor que ao chegar ao final de uma prova, adota determinadas expressões faciais, isto é a vivência que ocorre, tendo partido de uma vontade inicial de efetivar a prova, sendo uma expressão que transcorre simultânea à vivência pode-se dizer que vivencia e exprime num só momento. O sujeito que assiste interpreta não a vivência diretamente mas a expressão do corredor. Fazemos isto quando conversamos com alguém e quando assistimos às mais variadas situações humanas.

      Não basta ser arguto, perspicaz ou habilidoso para entender a arte ( a mundo ao derredor ) as características do “sensitivo” são outras. Na tentativa de perceber o mundo assim como ele realmente é devemos saber quais são estas características, que aliás, já foram citadas: capacidade de percepção subjetiva, capacidade de imersão nos detalhes, sabemos também que se referem aos valores pessoais, digamos que quanto mais desenvolvidos sejam estes valores mais precisa será a percepção, já que esta depende dos valores.

      Me fundamento numa percepção de vida, portanto integral e holística, passando longe da especialização. Um músico não têm, por exemplo, a percepção musical mais apurada que um psicólogo ou um caboclo que tenha larga experiência de vida, pois os valores pessoais são um tanto mais profundo que estudos técnicos ou teóricos da música. Isto ocorre porque a música não é um agregado organizado ou desorganizado de sons, mas sim um meio, através do qual a vida se exprime. O que está sendo expresso chama-se vida, e para que haja uma percepção mais correta e fidedigna da vida devemos estar cheios de valores de vida, por isto o desenvolvimento da percepção espiritual depende da filosofia de vida, para que sobrevenha a percepção mediúnica ( conforme discorrido no livro “valores da contemplação “ ). Exemplo: Uma pessoa lê um romance escrito na época da revolução industrial sem qualquer outra fonte de conhecimento desta época, lê somente pelo prazer da leitura, por certo poderá se deleitar com a leitura e adorar o livro. Digamos que esta pessoa tenha após um ano estudado durante três meses as idéias e a história referente à este período da Revolução Industrial, logo ela percebe o quão ingênua havia sido sua leitura, e o quão distorcido havia sido seu entendimento da obra, o que era vermelho ela interpretou como branco, e o que era azul como lilás. O quê podemos extrair deste exemplo? A conclusão definitiva de que a percepção dos objetos externos depende dos valores internos, neste caso me referí restritamente ao valor “conhecimento”, mas poderíamos colocar outros valores como “sentimentos”, “moral” ou “espiritualidade”. É mais provável que esta pessoa entenda os sentimentos e o que quis o autor do romance transmitir após seus três meses de estudos sobre a época que antes, ainda que ela possa ter tido “inflamação do espírito” na primeira leitura e sendo esta “inflamação” um tanto distorcidas com relação às intenções, sentimentos e vivências do autor, isto não indica necessariamente que esta interpretação tenha sido em vão ou inócua. Mesmo que não percebamos a essência das coisas, o fato é que o que percebemos é também chamado de “vida”, uma percepção distante do estado de espírito do transmissor não deixa de ser a percepção de algo, e digo mais, seria ao mesmo tempo uma criação alternativa de vida. Por isto a vida possui muitas facetas, a maneira mais simples e óbvia de indicar isto é colocar uma pessoa em cada canto de uma sala aberta no teto ao céu numa noite sem nuvens e pedir para observarem  um telescópio, cada uma das pessoas terá uma visão distinta daquele mesmo objetos, e supondo que antes nunca tenham se deparado com um telescópio umas dirão que estão vendo uma estrutura complexa e podem até descrever mecanismos cilíndricos, esféricos ou engrenagens metálicas, outras dirão que estão vendo planetas, estrelas ou até nuvens cósmicas de cores diversas. Em quem vamos acreditar? O fato é que mesmo a percepção de cada qual sendo distinta todas são corretas, isto indica que mesmo coisas diferentes e por vezes antagônicas podem ser corretas, é justo aí que queria chegar, porque a percepção alternativa não é completamente inócua, em si possui um valor, e pode fazer a pessoa “inflamar-se” por isto possui sua validade. Isto dá a importância àquele que percebe o mundo como ele realmente é e àquele que interpreta o mundo numa visão distorcida.

      O importante é inflamar-se permeado pelos “valores humanos universais” que estão de certo modo incutidos em cada ser humano em maior ou menor proporção independente da cultura externa. A cultura pessoal, retomando este assunto, é referente à aspectos únicos de cada pessoa referem-se às possibilidades de criação, por isto intuição e criatividade são termos chave neste assunto. A criação de uma cultura pessoal depende de ferramentas adquiridas no meio externo, como por exemplo noções de técnicas de desenho, técnicas de interpretação corporal e facial para o teatro e a dança, noções de teoria musical e poética ou literatura para o ato da escrita, assim na exteriorização de uma cultura pessoal existem subsídios externos, que são prestativos na forma de ferramentas, mas não só de ferramentas como também de material útil para remodelação e reconstrução da realidade, como no caso de treinar a vista com muitas obras de pintura para possuir uma conjuntura de possibilidades. Até que ponto uma mente livre e limpa de tudo é capaz de criar? Existe esta possibilidade? Seria uma criação todavia mais personalizada?

 

O fim é o início

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